O deputado federal Nikolas Ferreira, do Partido Liberal-Minas Gerais, foi oficialmente designado relator do Projeto de Lei 1.283/2025Câmara dos Deputados — uma proposta que busca transformar o PCC e o Comando Vermelho em organizações terroristas. A decisão, registrada em 10 de setembro de 2025, veio como um choque para muitos que esperavam que Ferreira cedesse a relatoria ao secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite. Mesmo após declarações em redes sociais sugerindo que estava abrindo mão do cargo, o sistema da Câmara mantém Ferreira como relator oficial. O projeto, de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-Ceará), não é apenas uma medida legal: é um sinal político que divide o país.
Uma mudança radical na lei
Hoje, integrantes do PCC ou do Comando Vermelho são punidos pela Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), com penas de três a oito anos — e só se houver pelo menos quatro pessoas envolvidas. O PL 1.283/2025 quer mudar isso radicalmente. Se aprovado, qualquer pessoa identificada como membro dessas facções — mesmo sozinha — poderá ser enquadrada na Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016), com penas de 15 a 30 anos. O ponto-chave da mudança? A inclusão do "domínio ou controle de área territorial" como elemento caracterizador de terrorismo. É uma referência direta às comunidades do Rio, de São Paulo, do Pará e de outros estados onde as facções governam as ruas, cobram "taxas", impõem regras e eliminam quem desobedece.Modelo americano e pressão internacional
O texto do projeto cita explicitamente o governo de Donald Trump como referência. O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que apresentou um substitutivo aprovado pela Comissão de Segurança Pública, usou o termo "Estados Unidos" em quase metade de seu parecer. Ele argumenta que a legislação norte-americana permite classificar como terroristas grupos que atuam no tráfico internacional — algo que já acontece com cartéis mexicanos como o de Sinaloa e o Tren de Aragua, da Venezuela. "É hora de deixar de ver essas organizações como bandidos comuns", disse Ramagem em sessão. "Elas são um Estado dentro do Estado. E isso é terrorismo."Reações divididas: governadores e o Planalto
Enquanto isso, governadores de direita estão na frente. Cláudio Castro (PL-RJ) já chamou as facções de "narcoterroristas" em discurso público. "Não podemos mais fingir que é só crime organizado. É guerra. E guerra precisa de respostas de guerra", afirmou em julho. Mas o Palácio do Planalto teme o contrário. Fontes do governo Lula alertam que classificar facções como terroristas pode abrir caminho para sanções internacionais — e até para interferência de agências estrangeiras no sistema prisional e de segurança brasileiro. "O que querem é justificar intervenções externas sob o disfarce de combate ao terror", disse um assessor, sob anonimato.Em contrapartida, o governo propôs sua própria alternativa: a chamada "organização criminosa qualificada". A ideia é aumentar as penas para 8 a 15 anos, permitir apreensão antecipada de bens, afastar servidores públicos envolvidos com quadrilhas e monitorar presos com tecnologia de rastreamento. É uma proposta mais técnica, menos simbólica — e, segundo analistas, mais realista.
Tramitação travada — e o que vem a seguir
A análise do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi adiada duas vezes na última semana de setembro, após pressão direta do governo. Ainda assim, o texto segue vivo. Se aprovado na CCJ, será encaminhado ao plenário da Câmara — onde, por decisão regimental, a relatoria passará temporariamente para Guilherme Derrite, que precisa reassumir seu mandato de deputado para conduzir a votação. E não é só na Câmara que o assunto está quente: no Senado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) já sinalizou que vai apresentar emendas para acelerar o processo. O projeto tem apoio de 120 deputados — quase metade da Casa.Por que isso importa para você
Se aprovado, o projeto muda tudo. Um jovem pego com uma quantidade pequena de droga em uma favela do Rio pode ser preso por terrorismo — e não por tráfico. Um ex-presidiário que voltou a morar na mesma comunidade pode ser considerado "membro" do PCC só por conviver com pessoas ligadas à facção. As investigações passarão para a Polícia Federal, e bens de familiares podem ser bloqueados sem julgamento. Isso não é teoria. Já aconteceu em países como México e Colômbia — e os resultados foram caóticos: prisões em massa, violações de direitos humanos e uma percepção de que o Estado se tornou mais brutal do que os criminosos que combate.Por outro lado, há quem diga que o sistema atual falhou. Em 2024, mais de 80% dos homicídios no Rio de Janeiro ocorreram em áreas sob domínio de facções. Em São Paulo, 90% dos assassinatos de policiais foram atribuídos ao PCC. A sociedade está cansada. A pergunta não é se a lei é dura — é se ela vai resolver o problema, ou apenas esconder a dor com uma etiqueta de "terrorismo".
Frequently Asked Questions
Como a classificação como terrorismo muda a punição para membros do PCC e Comando Vermelho?
Atualmente, integrantes de facções criminosas são punidos com 3 a 8 anos pela Lei das Organizações Criminosas, mas só se houver pelo menos quatro pessoas envolvidas. Com a nova proposta, qualquer pessoa identificada como membro — mesmo sozinha — pode receber 15 a 30 anos de prisão sob a Lei Antiterrorismo. Não há mais necessidade de comprovar uma estrutura organizada. É uma mudança radical: de crime comum para crime de guerra.
Por que o governo Lula se opõe à proposta?
O governo teme que a classificação de facções como terroristas abra espaço para pressão externa, especialmente de países que impõem sanções a nações com grupos terroristas. Isso pode afetar investimentos estrangeiros, dificultar acordos internacionais e até justificar intervenções de agências como a DEA nos sistemas prisionais brasileiros. O Planalto prefere sua proposta de "organização criminosa qualificada", que mantém o foco na justiça nacional e evita externalização do problema.
Qual é o papel de Nikolas Ferreira nesse processo?
Ferreira é o relator oficial do projeto na Câmara, mesmo após ter dito em redes sociais que cederia a função a Guilherme Derrite. Sua posição é estratégica: ele é um dos principais aliados do bolsonarismo e tem histórico de uso de linguagem belicosa contra facções. Sua relatoria garante que o projeto avance com forte carga simbólica, mesmo que técnicos do governo tentem suavizar o texto. Ele representa a ala mais dura do Congresso.
O projeto já foi aprovado em alguma etapa?
Sim. Um substitutivo semelhante foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública em 3 de setembro de 2025, com apoio de 24 dos 30 membros. O texto foi apresentado por Alexandre Ramagem e incorpora a ideia de "domínio territorial" como terrorismo. Mas o projeto ainda não passou pela CCJ — onde a tramitação foi adiada duas vezes por pressão do governo federal. A votação no plenário da Câmara ainda não tem data.
O que acontece se o projeto for aprovado no Senado?
Se aprovado no Senado, o projeto vira lei e passa a valer em todo o território nacional. A Polícia Federal assumirá todas as investigações, e o Ministério da Justiça poderá pedir cooperação internacional — como bloqueio de contas no exterior ou extradição. Mas há risco de conflito com a Constituição: o Supremo Tribunal Federal já decidiu em 2022 que a definição de terrorismo não pode ser ampliada por lei ordinária, apenas por emenda constitucional. O projeto pode ser derrubado por inconstitucionalidade.
Existe algum precedente internacional de países que classificaram facções criminosas como terroristas?
Sim. Os Estados Unidos classificam como terroristas cartéis mexicanos como o de Jalisco e o de Sinaloa. A Colômbia classificou o ELN como terrorista em 2020, e o México incluiu o Cártel de Sinaloa em sua lista em 2023. Mas os resultados são controversos: prisões em massa, violações de direitos e aumento da violência policial. No Brasil, o risco é que o foco mude da segurança pública para a repressão, e a sociedade perca de vista as causas profundas da criminalidade.