Quando Frei Gilson, frade católico carismático da Igreja Católica Carismática Renovação transmitiu sua mensagem ao vivo em março de 2025, mais de um milhão de brasileiros estavam ligados ao celular ou ao computador. O número impressionante de espectadores fez o episódio se tornar rapidamente manchete em programas de TV e nas timelines de Twitter e TikTok.
Mas a atenção não veio só dos fiéis. A mulher que conduzia a transmissão, em um tom tranquilo, recebeu perguntas sobre o papel da mulher na família cristã. Foi então que o frade soltou a frase que virou ponto de partida para a tempestade: "Ao homem foi dada liderança, mas a mulher tem desejo de poder…". A declaração, feita ao citar Gênesis 2:18, gerou milhares de comentários divididos entre apoio e repúdio.
Para entender por que um discurso religioso pode se transformar em briga política, vale lembrar que, desde a eleição de 2018, grupos conservadores dentro da Igreja têm se aliado abertamente a figuras como o ex‑presidente Jair Bolsonaro. Esse movimento ganhou força nas redes sociais, onde pastores e padres carismáticos alcançam audiências que antes eram exclusivas dos evangélicos.
Segundo levantamento da Datafolha, 38% dos católicos que assistem a programas religiosos online se consideram simpatizantes de pautas de direita. É nesse cenário que Francisco Betiol, influenciador digital com cerca de 180 mil seguidores entrou em cena, repostando o vídeo e apontando um suposto vínculo entre Gilson e Brasil Paralelo, produtora que se declara favorável a Bolsonaro.
Depois do episódio de março, o vídeo foi compartilhado por mais de 800 mil usuários no WhatsApp e gerou uma avalanche de memes. Alguns denunciavam "machismo", enquanto outros defendiam que o frade "estava apenas explicando a doutrina tradicional".
Em resposta, Francisco Betiol escreveu: "Ele não está só falando de mulher; ele está falando de uma agenda que busca substituir a Bíblia por um novo ídolo: o 'empowerment' do discurso secular". Betiol ainda acusou Gilson de usar a plataforma da Brasil Paralelo para "tomar as igrejas e transformar a fé em ferramenta política".
O Brasil Paralelo, fundado em 2019, já foi apontado por investigadores como um canal que produz conteúdo favorável ao governo Bolsonaro e que, segundo especialistas, "busca legitimar a agenda conservadora nas comunidades religiosas".
Embora Gilson nunca tenha confirmado vínculo direto, ele já participou de podcasts organizados pela produtora em 2022, o que alimentou a narrativa de que há uma aliança estratégica entre a mídia católica tradicional e os novos veículos pró‑governo.
No fim de agosto de 2025, Desperta Brasil 2025Brasília reuniu mais de 80 mil fiéis num centro de convenções da capital federal. O evento, que dura dois dias, é organizado por lideranças da Renovação Carismática e tem como pano de fundo a “defesa dos valores cristãos”.
Durante a abertura, o bispo Adair José Guimarães, da Diocese de Formosa (Goiás), fez um discurso que recebeu aplausos de pé: "Com a intercessão de Nossa Senhora Aparecida, que venha sobre nós a bênção que impede a fome, a guerra, a doença e o comunismo".
No dia 5 de setembro, Gilson subiu ao palco e, numa linguagem que lembrava um rally, perguntou ao público: "O Brasil precisa de oração? Sim ou não?". Depois, levantou as mãos e conduziu uma oração que mencionava explicitamente "livrar o Brasil da ameaça comunista". O vídeo da pregação alcançou 260 mil visualizações no YouTube em apenas três semanas.
Logo após os eventos, grupos de direitos humanos registraram que a retórica anti‑comunista pode incitar violência contra militantes de esquerda. Um relatório da ONG Conectas Direitos Humanos apontou que 12% dos comentários nas redes associavam o discurso de Gilson a ameaças de agressão física.
Por outro lado, o Conselho Nacional de Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) ainda não se pronunciou oficialmente, mas um porta-voz admitiu que "há um debate interno sobre a relação entre fé e política". Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem analisado casos de discurso de ódio que citam a mesma linguagem usada nos encontros.
Para a cientista política Ana Lúcia Freitas, da Universidade de São Paulo, "a explosão de seguidores digitais mudou a forma como a Igreja se posiciona; a agenda conservadora agora tem um megafone global". Já o teólogo católico João Pimentel alerta que "misturar oração com estratégia eleitoral pode fragilizar a credibilidade da mensagem cristã".
Entretanto, entre os fiéis que acompanham Gilson, a maioria considera que ele está "defendendo a família e a pátria". Uma pesquisa rápida feita pela equipe de reportagem com 300 participantes do evento de Brasília mostrou que 68% aprovam a abordagem política, enquanto 22% se sentem incomodados.
Com a aproximação das eleições municipais de 2026, espera‑se que Gilson e outros líderes da Renovação intensifiquem a presença nas redes e nas praças. Fontes internas do grupo dizem que já está sendo planejado um novo encontro em São Paulo, com transmissão simultânea em quatro plataformas digitais.
Enquanto isso, a Justiça Eleitoral pode abrir investigações sobre o financiamento de eventos religiosos que, supostamente, recebem apoio de partidos de direita. Caso haja comprovação de uso de recursos públicos ou de campanha, o cenário poderia mudar drasticamente.
As palavras do frade sobre o “desejo de poder” das mulheres tocaram um tema sensível na Igreja, que ainda luta entre a tradição bíblica e as exigências da igualdade de gênero. Além disso, a conexão com grupos políticos conservadores acabou ampliando o alcance da polêmica nas redes.
Não há comprovação oficial de que Gilson seja sócio da produtora, mas ele participou de podcasts e eventos organizados por ela em 2022. Esse histórico alimenta a suspeita de que haja um alinhamento ideológico entre ambos.
Com mais de 80 mil presentes em Brasília e transmissão ao vivo que chegou a 260 mil visualizações, o encontro reforçou a mensagem anti‑comunista entre os fiéis. Pesquisas apontam que a mensagem ecoou principalmente entre eleitores de direita, potencialmente impactando as próximas eleições.
A maioria concorda que a digitalização da pregação aumentou o poder de mobilização. Contudo, há alerta de que o discurso religioso usado como ferramenta de campanha pode gerar polarização e até incitar atos de intolerância.
Gilson planeja novos encontros em São Paulo e continua a produzir lives semanais. Observadores aguardam se a Justiça Eleitoral vai investigar possíveis irregularidades no financiamento desses eventos.
Thaty Dantas
setembro 29, 2025 AT 22:39É impressionante como uma transmissão consegue mobilizar mais de um milhão de pessoas em questão de horas.